QUEIMADA
O fogo tragando a mata
Na voracidade de monstro,
Em labaredas ao vento
Vai varrendo os campos,
Deixando seu excremento
Rastros de destruição
Na terra ferida de morte.
O verde vira cinza,
Arbusto vira carvão,
Na secura do inverno
A sede das chamas.
Árvores esqueléticas
Com seus galhos caquéticos
Assinalam para o céu
Em desespero e prece,
Clamando socorro
Pra sair do inferno.
Quedo-me pasmo,
Impotente, incrédulo
Olhos embaçados,
Negando-se a ver.
Quando a vista se refaz,
Pelas pupilas enfumaçadas
Vai entrando a mais bela imagem
Que meus olhos já alcançaram:
Um intrépido pé de ipê
Sobrevivente das chamas.
Ergue-se majestoso, renascendo das cinzas,
Chamuscado pelas labaredas,
Ainda zonzo pela fumaça,
Lança seu brado, não mais de socorro,
Mas de protesto, de liberdade,
Manifestando a força que a natureza tem,
Mostrando aos humanos
Que parte faz do espetáculo da vida.
A copa florida do mais belo dourado
Enche-se de cor, alegria e graça,
Espalhando a esperança
No cenário lúgubre.
Generosamente, deixa cair suas flores,
Para vestir a terra desnuda
E cicatrizar suas feridas
Sabiamente, lançará seus rebentos,
Para restabelecer a vida
E continuar sendo um símbolo deste País.
*** Ao longo da estrada só se via queimada, árvores carbonizadas, galhos retorcidos, longo trecho de fumaça, cinzas e carvão, fazendo com que meus olhos se acostumassem àquele cenário cinzento. Mas de repente, uma cor diferente relampeia pelas pupilas indignadas e turvas. Paro a alguns metros à frente, volto o carro, e aí meus olhos puderam ver, com nitidez, aquela imagem surpreendente, quase imaginária. Um frondoso pé de ipê, dobrado em flores de um intenso amarelo dourado, bem no meio daquele cenário de destruição.
*** Diante da queimada, vem um sentimento misto de incredulidade, indignação, de impotência, de culpa, mas diante daquele espetáculo amarelo, sobressaindo da fumaça, do carvão e das cinzas, o sentimento é de pura emoção, de contentamento e de esperança. É de certeza de que nem tudo está perdido, que a vida sempre continua, apesar da crueldade e da ignorância humana.
Simão Pedrosa
Enviado por Simão Pedrosa em 05/08/2010